Concessões dominam registro de intangíveis

O valor das marcas e das carteiras de clientes adquiridas de terceiros são o principal tipo de ativo intangível das empresas brasileiras listadas em bolsa, depois dos direitos contratuais, como as concessões públicas, segundo estudo exclusivo obtido pelo Valor.

Por Tatiane Bortolozi e Renato Rostás | De São Paulo | Jornal Valor Econômico

A pesquisa feita pela consultoria e auditoria Mazars mapeou a maneira como os intangíveis são registrados nos balanços por 12 diferentes setores. Os intangíveis são ativos não físicos considerados estratégicos, por trazerem vantagens competitivas, como domínios de internet e licenças. No Brasil, foi a partir da Lei 11.638, de dezembro de 2007, que passou a existir um lugar para eles nos balanços das empresas.

"Não existia uma visão consolidada da forma como se faz na prática o registro de intangíveis por setor no Brasil. A proposta foi produzir um diagnóstico da nossa realidade", diz Fabio Pecequilo, diretor da Mazars. Ele e Kenzo Otsuka, também diretor, foram os responsáveis pela pesquisa.

A firma analisou as demonstrações financeiras de 2012 e 2013 de 228 companhias de capital aberto, reunidas segundo a relevância de seu valor de mercado ou pela listagem em um dos segmentos de governança da bolsa.

Os direitos contratuais, como as concessões de empresas de energia e rodovias, têm o maior peso nos balanços, o que não é exatamente uma novidade.

"A característica da bolsa brasileira é ser composta por empresas públicas. Como um dos intangíveis que normalmente é avaliado em transações de fusão e aquisição é o direito de uso, de exploração, era esperado este reflexo na média global", explica Otsuka.

Os direitos contratuais responderam por 39% dos intangíveis reconhecidos nos últimos dois anos, seguidos por aqueles relacionados a clientes e marcas, com cerca de 5% cada um. Excluídas as empresas de utilidade pública, como geradoras de energia, o valor dos direitos relacionados a contratos representa apenas 4% das transações e é superado pelo preço pago por carteiras de clientes (10,4%) e por marcas (9,4%), mostra o estudo.

Como forma de comparação, pesquisa conduzida pela auditoria e consultoria KPMG com 342 empresas globais que adotaram as normas internacionais de contabilidade, em transações entre 2003 e 2007, mostra tendência semelhante. Em três principais setores - produtos e serviços de consumo, cuidados com a saúde e mídia e entretenimento -, as marcas e a base de clientes foram os principais intangíveis. Em cuidados com a saúde, os ativos de tecnologia também se sobressaíram, por conta do registro de patentes.

No Brasil, o valor dos intangíveis em combinações de negócios entre companhias de petróleo, gás e biocombustíveis e empresas de utilidade pública foi praticamente todo composto por direitos contratuais em 2012 e 2013.

No caso das petroleiras, um setor dominado pela estatal Petrobras, grande parte desse valor está relacionado ao direito à exploração nos campos de pré-sal. Nas empresas de utilidade pública, o registro vem de contratos de concessão herdados de privatizações ocorridas na década de 1990.

Entre empresas de consumo não cíclico - varejistas de alimentos, perfumaria e medicamentos, por exemplo -, as marcas recebem grande ênfase em fusões e aquisições. Entre bancos e seguradoras, marcas e carteiras de clientes têm mais importância. Nas áreas de consumo e financeira, a maior parte do ágio é atribuído a sinergias futuras.

Os setores mais ativos no reconhecimento de intangíveis foram os de tecnologia e de educação. No primeiro, a maior parte deles está relacionada a sinergias, enquanto em educação sobressai a carteira de clientes, a marca e as licenças de qualidade exigidas para os cursos de ensino superior.

A principal origem dos ativos intangíveis está nas fusões e aquisições, algo em que as companhias de educação e tecnologia foram bastante ativas nos últimos anos.

"Quem faz mais transações e se envolve mais com os investidores estrangeiros, fica mais alinhado com a prática internacional", afirma Pecequilo, justificando a liderança dessas empresas em termos de qualidade na alocação dos ativos.

Segundo Robinson Meira, sócio da auditoria e consultoria BDO, os intangíveis são um dos pronunciamentos técnicos mais discutidos desde sua implementação, em 2008. Fora do contexto de combinações de negócios, a principal forma de colocá-los no balanço é por meio de avanços no desenvolvimento de produtos.

"As empresas adequaram processos e controles para conseguir atender ao pronunciamento e, consequentemente, registrar no ativo intangível os custos de desenvolvimento de produtos, que serão amortizados de acordo com a expectativa de recuperação do investimento", explica Meira.

Para ele, os balanços poderiam fazer o uso mais frequente do pronunciamento, mas muitas vezes esbarram em orçamentos mais enxutos e poucos investimentos na área de desenvolvimento.

Segundo José Roberto Kassai, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), levantamentos produzidos no exterior, ajustados para a realidade brasileira, são referências ao comparar setores com desempenhos semelhantes. A partir do estudo da Mazars, é possível ter uma visão mais apurada da realidade do país.

Desde 2009, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), regulador do mercado de capitais, sinalizou que a contabilização dos direitos após a obtenção da concessão poderia ser alocada tanto no intangível como no financeiro, o Brasil entrou em divergência com as normas internacionais de contabilidade - adotadas pelo país um ano depois. O direito de concessão, pelas normas conhecidas pela sigla em inglês IFRS, ficam no ativo imobilizado. Os Estados Unidos, que têm regras próprias, também permitem a contabilização como intangível.

Nem todas as concessionárias públicas têm de adotar a norma contábil do IFRS, segundo orientação emitida em 2011. Enquanto as operadoras de rodovias e distribuidoras e transmissoras de energia devem aplicar a regra, as companhias que operam ferrovias e a maior parte das geradoras de energia elétrica estão dispensadas da obrigatoriedade.

O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb) está em negociação com os reguladores americanos para uma possível harmonização do método de registro dos ativos regulatórios.