A PROFISSÃO DO AUDITOR EXTERNO

Quando iniciei minha carreira profissional em auditoria, no ano de 2001, as então chamadas “Big Five” eram empresas que atraíam excelentes e ambiciosos estudantes dos cursos de Administração, Economia, Direito e, principalmente, Ciências Contábeis, em um processo seletivo que chegava a ter, no Brasil, 1 vaga para mais de 300 candidatos.

Naquela época, cada sócio de auditoria alegava ser responsável por cerca de 20 mil horas em trabalhos,  cada gerente tinha de 8 a 12 mil horas em carteira e a taxa-hora girava em torno de R$ 170. A maioria dos trainees queria se tornar sócio da mesma Firma onde estava iniciando a carreira e os sócios de cada Firma apenas se desligavam diante da aposentadoria compulsória, em torno de 60 anos.  Apesar de forte regulação, se percebia um relacionamento mais harmônico e menos complexo entre as empresas de auditoria, os reguladores e os stakeholders do resultado do  trabalho de auditoria. Era uma época marcada pelo avanço na utilização de softwares de auditoria. As normas de preparação das demonstrações contábeis eram menos complexas e mais objetivas, onde por exemplo a base para registro tinha quase sempre o custo como base de valor. O Brasil era um dos países menos auditados do Mundo.

Em pouco mais de 14 anos, muita coisa mudou na profissão de auditor externo, exceto pela demanda reprimida: o Brasil continua sendo um dos países menos auditados do Mundo, apesar das (poucas e ineficientes) iniciativas para tornar a auditoria externa, se não obrigatória, uma prática de governança corporativa importante. 

Se não bastasse, o papel do auditor externo, no Brasil e no Mundo foi sendo cada vez mais questionado, atribuindo-se a ele penalidades por erros ou fraudes cometidas pela Administração das empresas, como se fosse ele, o auditor, o responsável por tais atos ou mesmo tão culpado quanto o fraudador. De todos os casos, certamente o mais emblemático envolveu a Arthur Andersen, empresa de auditoria externa centenária que simplesmente deixou de existir no início dos anos 2000, esvaída de sua credibilidade mas antes mesmo do julgamento sobre sua responsabilidade em fraude envolvendo uma grande empresa de energia nos EUA.

Estamos, indubitavelmente, diante de um momento desafiador de uma profissão extremamente importante para a sociedade, a despeito da confusão em relação ao papel do auditor em fraudes e/ou casos de corrupção. Mesmo não sendo o auditor externo, pela natureza e pelas limitações do seu trabalho, o responsável por identificar fraudes nas empresas, certamente que o papel por ele desempenhado é crucial para (i) assegurar que as demonstrações financeiras apresentem, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial e financeira das empresas auditadas, o desempenho de suas operações e os seus fluxos de caixa para um determinado período; (ii) garantir, portanto, uma prestação de contas de melhor qualidade pelos administradores das empresas auditadas e (ii) contribuir para o aprimoramento do ambiente de controles internos das Empresas, especialmente diante do elevado grau de complexidade e relevância de certas atividades empresárias, nos dias atuais.

Sobre o papel do auditor, um adendo: um trabalho de excelência feito por uma auditoria externa pode não necessariamente identificar uma fraude - ao contrário do que é esperado pelo mercado -, mas certamente proverá aos acionistas, administradores e terceiros interessados relevantes informações sobre deficiências de controles internos que representam condições de risco para erros ou fraudes nas demonstrações financeiras, como, por exemplo (i) a inexistência ou inadequação de controles de autorização/ aprovação de transações eletrônicas e/ou manuais em níveis adequados, (ii) a capacidade de pessoas (autorizadas ou não) burlarem os controles para manipulação de dados e/ou transações, (iii) a possibilidade de reconhecimento de recebíveis incobráveis, (iv) a falta de captura e registro de passivos/ obrigações; e (v) a inadequada identificação e divulgação de transações envolvendo partes relacionadas, entre outras.

Em recente reunião em que estive com os sócios Eduardo Cabrera, Uipiquer Gomes, da Mazars, e com o sócio responsável pelo escritório do Rio de uma renomada multinacional do setor, discuti as seguintes iniciativas, que compartilho neste artigo:

(i)                fortalecimento dos órgãos de classe representativos da profissão, notadamente o IBRACON, o que requer investimento de tempo e dinheiro dos principais líderes e representantes da profissão;

(ii)              coordenação com os poderes competentes para o estabelecimento de iniciativas efetivas para cumprimento da legislação que exige auditoria externa para empresas de grande porte; e

(iii)             continuidade do processo transformação da atividade de auditoria externa a partir do desenvolvimento de ferramentas tecnológicas e centros de serviços compartilhados, entre outras iniciativas, que permitirão um trabalho mais eficiente, um risco menor e o restabelecimento dos níveis de rentabilidade que valorizem a profissão de auditor.

Sem a implementação eficiente destas iniciativas, continuaremos a ser um país entre os menos auditados do Mundo, no qual a profissão de auditor se tornará menos valorizada e, portanto, um país incapaz de avançar na implementação de um mercado seguro e próspero, condições importantes para o nosso desenvolvimento econômico sustentável.

Por Rodrigo Albuquerque (Sócio - Mazars | Auditoria)

Sobre o Autor

Rodrigo Albuquerque é um sócio da Mazars com mais de 15 anos de experiência profissional em serviços de auditoria externa em companhias de grande e médio porte, no Brasil e exterior. Seu conhecimento em áreas como contabilidade, controles internos e auditoria permite a ele prover aos seus clientes serviços profissionais multidisciplinares. Bacharel em Direito pela PUC (RJ) e graduado em Ciências Contábeis, Albuquerque atuou no escritório da PwC em Vancouver, Canadá, entre os anos de 2011 e 2013. Rodrigo é instrutor de treinamentos em auditoria, contabilidade e Excel, tendo sido professor da FAE Business Schools, em Curitiba, do Projeto Voluntário de Cidadania da United Way para jovens carentes e instrutor do Fórum de Contadores da OCEPAR. Entre os anos de 2013 e 2015, integrou o time de Global Quality Review da PwC, tendo efetuado revisões de qualidade em outras firmas-membro da PwC, no exterior.

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1 Multinacionais que formavam o grupo de empresas com as maiores receitas entre as empresas do Setor, sendo na época PwC, Arthur Andersen, DTT, KPMG e E&Y.